Senna e Piquet: A Magia e a Genialidade

Dois tricampeões do mundo, e as duas faces da mesma moeda

FÓRMULA 1ESPORTES

Marcos Mantuan de Castro

10/9/20254 min read

41 vitórias, 65 pole-positions, 3 campeonatos mundiais e o maior talento da história da Fórmula 1.

Mais que um nome, Ayrton Senna tornou-se, para o automobilismo, a síntese do que acontece quando alguém faz exatamente aquilo para o que nasceu.

Mas fica a pergunta: e se, naquele 1º de maio de 1994, ele se levantasse de sua Williams FW16? O que aconteceria?

Provavelmente cometo um dos maiores sacrilégios da história do esporte ao admitir que, ao menos na minha visão, Ayrton foi, é e muito provavelmente sempre será o maior talento que esse esporte já viu.

No entanto — e aqui vem o ponto — ele não era um gênio absoluto no que fazia.

Era mágico, quase poético vê-lo deslizar com o carro em Mônaco, em Spa-Francorchamps (sua pista favorita), em Interlagos ou em Silverstone — apelidada de “Silvastone” graças à sua dominância nas categorias de base, quando já revelava lampejos de um futuro brilhante.

Mas como posso dizer que Ayrton não era um gênio?

Permitam-me defender a hipótese antes de julgar.

O próprio Nelson Piquet reconhece que o talento de Ayrton era inigualável.

Porém, para alcançar a genialidade, é necessário ter completude de valências — ou seja, o equilíbrio entre talento, técnica, estratégia, inteligência emocional e visão de conjunto. E, nesse sentido, Ayrton não demonstrava pleno domínio.

Ninguém manejava um volante como ele, é verdade.

Mas tomemos como exemplo sua primeira grande corrida — Mônaco, 1984.

Foi uma exibição brilhante? Sem dúvida. Porém, estudos feitos depois mostraram que, se a prova não tivesse sido interrompida pela chuva, o carro dificilmente completaria a corrida. O estresse imposto ao motor era tão grande que um colapso no turbocompressor era iminente.

Senna era mágico? Sem dúvida.

Dotado de talento extraordinário? Também.

Mas imprudente, na mesma proporção.

Outro exemplo: GP de Mônaco, 1988.

Liderava com folga para o companheiro Alain Prost. Bastava administrar.

Ron Dennis pediu calma pelo rádio — mas Ayrton ignorou, se desconcentrou e bateu sozinho.

Para ele, era ganhar ou ganhar. A ideia de “controlar o ritmo” ou “pensar no campeonato” não cabia no seu dicionário.

Senna era um 10 em talento, mas talvez esse fosse o único 10 no conjunto.

A superconfiança em sua capacidade, somada à impaciência para conhecer e desenvolver o carro, pode ter lhe custado não apenas títulos — mas a própria vida.

Nelson Piquet: o gênio

23 vitórias, 24 poles e os mesmos 3 títulos mundiais de Senna.

Não reconhecer a genialidade de Nelson Piquet deveria ser considerado um crime esportivo no Brasil.

Mas como o Piquet é gênio e o Senna não?

Voltemos às valências.

Piquet talvez não fosse tão talentoso quanto Senna, mas conhecia o carro como ninguém.

Sabia ajustar, sentir e extrair o máximo da máquina. Era também mentalmente mais forte — tanto que venceu o campeonato de 1987 dentro de uma equipe inglesa que claramente favorecia seu companheiro, o inglês Nigel Mansell (vice-campeão de Senna em 1991).

Piquet revolucionou a mecânica e a estratégia na Fórmula 1.

O aquecimento de pneus, o reabastecimento em corrida, a leitura tática de cada fase da prova — tudo isso leva a sua assinatura.

Sir Frank Williams resumiu bem ao contratá-lo:

“Estou contratando o piloto que melhor sabe separar as partes de uma corrida — começo, meio e fim.”

Nelson foi campeão com motores Ford e BMW pela Brabham (1981 e 1983), e depois com o Honda da Williams (1987).

Foi também um dos poucos pilotos a vencer títulos sem ter o melhor carro.

E era esperto — quando Mansell copiava seu acerto, Piquet mudava tudo de última hora.

Sabia jogar o jogo, dentro e fora da pista.

Essa é a grande diferença entre os dois:

Piquet tinha a paciência para buscar a configuração perfeita. Senna não.

Quem afirma isso é Reginaldo Leme, que acompanhou de perto toda a trajetória de ambos.

Por que um é mais lembrado que o outro?

Se os dois têm três títulos, por que Senna é tão mais lembrado?

A resposta está na magia da imagem.

Senna era carismático, magnético, inspirador.

Sua figura transcendia o esporte — ele virou símbolo nacional.

Piquet, por outro lado, era pragmático, direto e autêntico, sem filtro algum com a imprensa.

Enquanto Senna buscava sempre a vitória, Piquet buscava o resultado necessário.

Um era emoção; o outro, cálculo.

Abordagens diferentes, mas igualmente vitoriosas.

Assim, podemos considerar Ayrton o piloto mais talentoso e mágico — e Nelson, o mais genial.

O primeiro encantava; o segundo pensava.

E ambos fizeram o Brasil gigante nas pistas.

Uma curva, uma data, uma equipe e dois destinos

Um brasileiro pilotando uma Williams em Ímola, em 1º de maio, se aproximando da curva Tamburello.

Para Piquet, em 1987, o acidente deixou sequelas e o tirou de duas corridas — mas ele ainda foi campeão.

Para Senna, em 1994, o mesmo cenário se tornou fatal. E, paradoxalmente, o imortalizou.

A tragédia criou uma aura de santidade em torno de Ayrton, tornando a comparação com Piquet quase injusta.

Senna morreu ao vivo, diante de milhões de brasileiros.

E como competir com um mártir?

Nelson não despreza Ayrton — apenas provoca os fãs que tratam Senna como único representante digno do automobilismo nacional.

Se estivesse vivo, Ayrton talvez não fosse grande amigo de Piquet, mas certamente entenderia melhor sua relação com a mídia.

Principalmente hoje, numa era em que a “cultura do cancelamento” pune qualquer autenticidade. E talvez o próprio Ayrton tivesse sido "cancelado" por alguma frase, alguma atitude. Algo que o fizesse pensar:

"Talvez Nelson não esteja tão errado assim."

Ayrton Senna e Nelson Piquet.

Dois brasileiros, três títulos cada, e um legado que jamais se repetirá.

Um representou a magia.

O outro, a genialidade.

E juntos, escreveram as páginas mais brilhantes da história da Fórmula 1.