O mais humano entre os “Cristos” do cinema

Cada geração tem o seu rosto de Jesus. Alguns nos fazem chorar diante da cruz; outros nos fazem sorrir ao lado do Mestre. Mas todos nos convidam ao mesmo mistério: o de um Deus que se faz humano — para nos ensinar a sermos mais humanos também.

CINEMA

Marcos Mantuan de Castro

10/5/20255 min read

Robert Powell, Willem Dafoe, Jim Caviezel...

Todos eles contribuíram com suas versões do Maior Homem que já pisou na Terra. Cada interpretação carrega marcas próprias, e cada ator, dentro de seu tempo e contexto, deixou uma imagem de Cristo que permanece viva na memória do público.

Talvez a imagem mais difundida de Jesus seja a da brilhante atuação de Jim Caviezel em A Paixão de Cristo (2004), dirigida por Mel Gibson. A película, considerada um marco na cinematografia religiosa, mostrou ao mundo, de forma crua e visceral, a intensidade da Paixão. O maior mérito de Caviezel, no entanto, não está em palavras ou longos discursos — mas naquilo que vai além da fala. Está no olhar.

Um olhar que comunica, com uma força silenciosa, a exata dimensão do sacrifício que Jesus fez para redimir a humanidade. São olhos que, durante todo o período em que Cristo toma sobre Si as nossas mazelas, parecem nos dizer:

"Está vendo? É por você."

E é justamente aí que reside o diferencial. Caviezel entrega um Jesus que, do auge de Seu sofrimento, ainda é capaz de transcender a tela e alcançar o íntimo do espectador. Ele não interpreta apenas um personagem histórico: ele transmite misericórdia.

Não é à toa que Pietro Sarubbi, intérprete de Barrabás, testemunhou essa força. No set, ao encarar o olhar de Caviezel, viveu uma experiência que mudaria sua vida para sempre. Mais tarde, escreveria o livro Convertido por um Olhar, em que relata como aquele encontro artístico se tornou, para ele, um encontro pessoal com Cristo.

Contudo, por mais grandiosa que seja essa entrega, há de se convir: as últimas 12 horas da vida de Jesus, por mais impactantes que sejam, já foram contadas e recontadas inúmeras vezes. E, ainda assim, representam apenas uma pequena fração do que é compreender a totalidade da Pessoa de Cristo. É impossível esgotar quem Ele é olhando apenas para o clímax do Calvário.

E é justamente nesse ponto que The Chosen (Os Escolhidos) se apresenta como uma obra diferenciada.

Jonathan Roumie: um Jesus que caminha conosco

Na pele de Jonathan Roumie, vemos um recorte mais amplo da vida de Jesus. Não apenas o Redentor que sofre por nós, mas o Mestre que caminha conosco. A série opta por retratar não as últimas horas, mas os últimos sete anos de Seu ministério, abrindo espaço para uma narrativa mais humana, cotidiana e, ao mesmo tempo, profundamente espiritual.

Ainda que conte com a chamada liberdade poética — recurso tão comum em adaptações — Roumie nos traz um Cristo para além das páginas do Evangelho. Não se trata de substituir a Escritura, mas de expandir nossa percepção. Ele nos apresenta um Jesus que não amamos apenas pelo sacrifício, mas por quem nos apaixonamos na trajetória.

O que diferencia essa versão é o fato de que o protagonista não é mostrado isoladamente. Ele é visto através dos olhos de quem o acompanhou: os discípulos. É a narrativa pelos coadjuvantes que nos aproxima ainda mais de Jesus. Assim como eles, também nos tornamos parceiros de caminhada.

Roumie encarna um Cristo consciente das limitações humanas. Ele se aproxima dos discípulos não para evitar suas quedas, mas para mostrar que a retidão não está em nunca cair, e sim em saber levantar-se com dignidade. É um Jesus pedagógico, que transforma cada fragilidade em oportunidade de aprendizado.

O Cristo que toca a alma antes do milagre

Na série, o foco não são apenas os milagres em si, mas as pessoas que são tocadas por eles. É um Jesus que não reduz sua identidade ao extraordinário, mas que revela sua grandeza justamente no ordinário: no abraço, no sorriso, no diálogo. Ele ri, faz piadas, chora, canta, participa das festas, diverte e se diverte. Detesta uva-passa (Mais humano do que isso, impossível...)

Mas também confronta, incomoda, provoca reflexão. Sua presença não é neutra; ela sempre causa impacto — seja de alegria, seja de desconforto.

E, talvez seja o maior diferencial de The Chosen, um Cristo totalmente consciente de tudo que ele irá causar. Jesus, aqui, não é somente a figura Santa. É um ser humano de personalidade, capaz de "flutuar" entre o Amor de Cristo e as fragilidades de SER humano. Um Cristo que do alto de Sua Divindade, não se furta a sentir. Seja raiva, medo angústia, e inclusive humaniza passagens como a da figueira, entre outras. Um Jesus que confronta quando necessário. Como logo depois de devolver a visão ao cego e ser confrontado por um Fariseu:

"-Ah, mas eu tô só começando."

Um Jesus que não só assume responsabilidade, mas também chama à responsabilidade. Um Mestre que é manso e humilde de coração, mas não deixa de ser incisivo quando a verdade precisa ser dita.

"- Acalmem-se, Ele não usou tais palavras.

-Foi o que Eu quis dizer sim." (The Chosen,T03 EP03)

Mesmo sendo o Verbo encarnado, Ele lembra que todo ser humano deve ter coragem para ser o que se é

Lembra até mesmo certo trecho da música My Way:

"Para que serve um homem, e tudo o que ele tem?

Se não a si mesmo, então ele não tem nada."

Num contexto mais amplo, é um convite para toda a humanidade.

"- Todos temos um trabalho que é maior que nosso ofício." - T01, EP 02

É o Jesus que acolhe os imperfeitos, mas também que corrige com firmeza quando necessário. Que não aceita as nossas falhas, mas ainda assim nos aceita como falhos.

Esse equilíbrio raro faz dele um protagonista que não ofusca os coadjuvantes, mas os transforma. Ele não apaga as personalidades dos discípulos, mas revela o melhor delas, ainda que à custa de conflitos e processos dolorosos.

Como Ele mesmo diz em um diálogo marcante:

"Você realmente achou que nunca mais ia lutar ou cair? Até não vai. Mas não aqui."

(The Chosen, T02 – EP06)

Entre o Cristo do Calvário e o Cristo do Caminho

Se Caviezel nos ofereceu um Jesus que nos olha do Calvário e nos lembra da grandeza do sacrifício, Roumie nos oferece um Jesus que caminha ao nosso lado no dia a dia.

Enquanto um nos faz chorar diante da cruz, o outro nos faz sorrir, rir e nos apaixonar pelo Mestre em cada detalhe da vida comum. Um nos mostra a profundidade do amor que redime; o outro, a beleza da amizade que transforma.

Ambos, porém, convergem para o mesmo ponto: revelar que Cristo não é apenas uma figura distante ou um conceito teológico, mas uma Pessoa viva, que toca o coração de quem se permite olhar nos Seus olhos. Seja no olhar silencioso da Paixão, seja no sorriso acolhedor do Caminho, Ele continua a nos dizer:

"Está vendo? É por você."

Não escrevo para falar de religião. Escrevo porque sinto a necessidade de honrá-Lo com o dom que Ele me deu.