Felipe Massa e a justiça que a história não reconheceu
Singapura 2008 foi uma corrida manipulada, e o Artigo 151 do regulamento da FIA previa a anulação de provas fraudadas. Massa perdeu o título por 1 ponto — e agora busca justiça
ESPORTESFÓRMULA 1
Marcos Mantuan de Castro
10/27/20253 min read


Massa: talento, consistência e coragem
Felipe Massa sempre foi mais do que um piloto rápido. Ele é daqueles que combinam talento, inteligência em pista e regularidade, qualidades que muitas vezes não aparecem nos highlights de TV, mas que fazem diferença ao longo de um campeonato inteiro.
Ao longo de sua carreira, Massa enfrentou acidentes graves, mudanças de equipe, carros inconsistentes e pressões inimagináveis. E mesmo assim, ele manteve postura exemplar, focado no desempenho e no respeito pelo esporte. Enquanto alguns transformam dificuldades em desculpas, Massa transformou dificuldades em combustível para competir melhor.
Não é exagero dizer que, no GP do Brasil, Massa foi uma força da natureza. Sua consistência em Interlagos — mais pódios e pontos do que Senna e Piquet juntos, se olharmos apenas para esse circuito — mostra que ele não precisava de sorte, heroísmo ou mitologia para impressionar. Ele simplesmente entregava resultados, ano após ano, diante de pressão e torcida local.
Singapura 2008: quando a injustiça se tornou fato
O ápice da injustiça que Massa sofreu é conhecido: o GP de Singapura de 2008, uma corrida manipulada, confirmada posteriormente pela FIA. Nessa corrida, Hamilton somou seis pontos; Massa, nenhum. O campeonato terminou decidido por apenas um ponto.
O detalhe mais relevante é que o Artigo 151 do regulamento da FIA, em vigor na época, previa a anulação de uma corrida comprovadamente manipulada. Ou seja, juridicamente, Massa tem todos os fundamentos do mundo para lutar por este título. Não se trata de choradeira, de narrativa de vítima ou de reclamação vazia — trata-se de exigir que a justiça esportiva prevaleça.
Enquanto alguns fãs tentam minimizar ou ridicularizar essa luta, a verdade é que Massa apenas cumpre o que a regra prevê: uma prova que não foi corrida de forma legítima não deveria decidir um campeonato mundial. E ponto final.
O contraste histórico: 1989
Esse contraste fica ainda mais evidente quando olhamos para outro episódio da história da F1: o famigerado campeonato de 1989. Ao contrário do que se diz por aí, o GP do Japão não era a última corrida do calendário. Senna ainda teria de vencer em Portugal para ser campeão, pois abriria uma brecha para que fosse apontada possível manipulação em Suzuka
Com Senna vencendo em Portugal, ele e Ron Dennis poderiam ter levado o caso aos tribunais. O que acabou não acontecendo, pois Senna bateu com um retardatário em Portugal, enquanto liderava com folga, e Prost já estava fora da corrida. Ou seja, Senna perdeu a chance de lutar por seus próprios méritos, e não por falha externa.
O ponto crucial aqui é: se Senna tivesse vencido em Portugal e levado a questão aos tribunais, ele seria visto como herói — pela narrativa e pelo mito consolidado. Massa, em condições semelhantes e com evidências documentadas, é muitas vezes chamado de chorão. A discrepância não está nos fatos; está na percepção dos fãs e na construção do mito.
A legitimidade da luta de Massa
Massa não está pedindo perdão, misericórdia ou “favorzinho” da FIA. Ele está reivindicando direito legítimo baseado em fatos. Ele correu, sofreu, sobreviveu a acidentes gravíssimos e entregou desempenho consistente em todas as circunstâncias. E, ainda assim, há quem o chame de “chorão” por lutar pelo que é justo.
Não é choradeira. É coerência. É justiça esportiva. É olhar para os fatos sem romantizar ou transformar a história em mito.
O contraste "Pró-Hamilton": Abu Dhabi 2021
Muitos dizem que, se Felipe conseguir a anulação de Singapura 2008, isso permitiria que Lewis reclamasse o título de 2021, conquistado por Max Verstappen, com outra corrida controversa, Abu Dhabi 2021. Há, no entanto, uma diferença básica.
Hamilton poderia sim apontar possível manipulação naquela corrida, com o Safety Car causado pela Williams de Nicolas Latiffi, nas últimas voltas, permitindo a aproximação e a ultrapassagem de Verstappen.
Mas acontece que Verstappen e Hamilton chegaram a Abu Dhabi empatados em pontos, mas o holandês tinha vantagem dos critérios de desempate, número de vitórias maior que o de Hamilton.
Logo, a corrida sob suspeita não interferiria no resultado final, se anulassem Abu Dhabi, Verstappen seguiria como campeão da temporada.
Mas, se anulassem Singapura 2008...
Reflexão final
Felipe Massa é um exemplo de dignidade dentro do automobilismo. Ele combina talento, inteligência e regularidade, e sempre procurou agir dentro das regras. Ao contrário de muitos mitos construídos pela mídia ou pela memória afetiva dos fãs, Massa não se esconde atrás da sorte nem transforma tragédias em desculpas.
A diferença entre mito e justiça, entre narrativa e fatos, nunca foi tão clara quanto no caso de 2008. Massa escolheu ser protagonista da própria história, mesmo quando a história tentava escrever outro final.
O tempo, no fim, cobra uma escolha de todos: viver como protagonista da própria trajetória ou aceitar que outros escrevam a história por você. Massa escolheu lutar por justiça. E, se o regulamento fosse aplicado corretamente, ele teria sido campeão mundial de 2008. Simples assim.
