E se Ayrton Senna se levanta da Williams em 1° de Maio de 1994?

Há perguntas que desafiam até o tempo. Uma delas é: e se Ayrton Senna tivesse sobrevivido em Ímola, naquele domingo de 1994?

ESPORTESFÓRMULA 1

Marcos Mantuan de Castro

10/25/20252 min read

O que muita gente esquece é que o fim de semana em San Marino já era um pesadelo antes da bandeira verde. Na sexta-feira, Rubens Barrichello quase perdeu a vida. No sábado, Roland Ratzenberger morreu. A Fórmula 1 estava ferida — e Ayrton sabia disso.

De acordo com o livro “Ayrton: O Herói Revelado”, do jornalista português Ernesto Rodrigues, o próprio Sid Watkins, médico da F1 e amigo pessoal de Senna, o aconselhou a não correr — sugeriu até que ele pendurasse o capacete e fosse “pescar”. Naquela mesma manhã de domingo, Niki Lauda apareceu no motorhome da Williams para reforçar o pedido: não corra. Lauda sabia o que era voltar da morte; Ayrton, talvez, ainda não sabia o que era encará-la de frente.

E aqui nasce o primeiro dilema: como Senna olharia para Lauda, caso voltasse aos boxes com vida?

Senna poderia, claro, continuar. Mas e se, abalado com tudo o que viu, ele decidisse parar?

"Ah, mas Senna nunca faria isso." - Bem, Jackie Stewart fez, já sendo tricampeão, quando viu seu companheiro e "pupilo" François Cevert, morrer ao volante de uma Tyrrel, nas sessões de qualificação do GP dos EUA de 1973, em Watkins Glen. Senna não poderia?

Aos 34 anos, já não era mais o garoto dos tempos de Lotus e McLaren. A vontade de vencer persistia, mas o ambiente da F1 naquele fim de semana tinha deixado marcas profundas. Se anunciasse a aposentadoria, Ayrton correria o risco de ser visto como “o homem que fugiu do alemão”.

Schumacher, então com 25 anos, já liderava o campeonato por 30 a 0 — e poderia abrir 50 a 0, caso Senna pegasse um “gancho” de duas corridas, como Nelson Piquet enfrentou anos antes. A morte, cruelmente, o congelou na condição de herói absoluto. Vivo, ele teria de lidar com a tênue fronteira entre o mito e o homem. É provável que, se continuasse, Senna conquistasse no máximo dois títulos adicionais, contrariando as previsões (quase messiânicas) feitas pelos fãs mais otimistas. Isso o colocaria no mesmo patamar de vitórias que a Williams atingiria depois: Damon Hill campeão em 1996 e Jacques Villeneuve em 1997. E convenhamos — se eles venceram, Ayrton venceria. Mas há um ponto raramente debatido: ele teria paciência para esperar?

Logo após as primeiras corridas, Senna já demonstrava insatisfação com o carro. Havia, inclusive, uma cláusula em seu contrato com a Williams, que permitia rescisão automática se o equipamento não fosse competitivo ou seguro. O empresário Julian Jakobi confirma isso. E, na quarta-feira anterior ao acidente, Ayrton jantou com Luca di Montezemolo, então presidente da Ferrari. Discutiram uma possível transferência em 1995 — rascunharam até um contrato, que serviria de base para a chegada de Michael Schumacher à equipe no ano seguinte.

Schumacher assumiu a Ferrari em 1996 e passou por tudo: derrotas, frustrações, uma perna quebrada e quatro anos de reconstrução até finalmente ser campeão em 2000. A pergunta é simples — e dolorosa: Ayrton teria a mesma paciência?

Talvez nunca saibamos. Mas o fato é que, naquele 1º de maio, o homem que parecia sobre-humano estava cercado de sinais humanos demais: medo, dúvida, exaustão. Se tivesse sobrevivido, talvez não fosse o mesmo Senna que conhecemos. E, paradoxalmente, foi a tragédia que o preservou como mito — o piloto que nunca envelheceu, nunca perdeu, nunca hesitou.

O quadro batizado de "A Imagem que o mundo gostaria de ter visto", do artista plástico lituano Oleg Konin.